Vastas Planícies, Outros Campos de Pedra
O projeto Pintura ao ar livre, do grupo de pesquisa Terra Comum: arte e ecologia, coordenado pela artista plástica e professora da Escola Guignard Louise Ganz, participa com a instalação “Vastas Planícies, Outros Campos de Pedra” na exposição "Lugar Imaginado, Lugar Vivido: 80 anos da Casa do Baile”. A exposição comemora os 80 anos do Conjunto Moderno da Pampulha, com a curadoria dos arquitetos Guilherme Wisnik e Marina Frúgoli.
Foto: Veronica Manevy
Foto: Veronica Manevy
Foto: Veronica Manevy
Foto: Veronica Manevy
Ao longo de três meses o grupo se dedicou a pesquisar, conhecer e pintar em lugares diversos na Pampulha. Começamos pelas margens do córrego Pampulha, corpo líquido a céu aberto, dentre poucos que não estão violentados pela cultura do tamponamento na cidade, e que desce da lagoa levando toda a matéria histórica, física e simbólica. Passamos pelos encantamentos da Ilha dos Amores, habitada por vegetais e animais, cercada pela água densa e suja – a ilha, de imensa beleza visual, é uma vivente que diz das contradições ambientais do antropoceno. No monumento à Iemanjá fomos nos aproximar da história de festividades do candomblé e da história dos constantes ataques sofridos por intolerância religiosa; o monumento está próximo à Casa do Baile, local este onde também tantas festas foram realizadas.
Praça Iemanjá
Ilha dos Amores
Córregos Ressaca e Sarandi
Praça Iemanjá
Entramos no parque ecológico para chegar nos diques e locais de parada das dragas, que retiram lodo da lagoa. Na Comunidade Dandara, não mais na orla da lagoa, estivemos com as mulheres da Aura da Luta, um espaço de luta por direitos à moradia e acolhimento de mulheres. Estivemos na foz dos córregos Ressaca e Sarandi, dois córregos aprisionados que são mais de 70% da água que chega na lagoa. Sem esquecer da barragem da Pampulha, inaugurada em 1938, para represar a água. Nos juntamos nessa luta ambiental e de revisionismo histórico. A quem pertence essa terra? Quem tem direito a esse ambiente? Córregos, peixes, árvores, plantas, lagoas, pessoas dos movimentos pela moradia, entidades não visíveis.”
[...] "Dez anos depois, agora, em 2023, finalmente viemos a nos conhecer pessoalmente, no
contexto da exposição “Lugar Imaginado, Lugar Vivido: 80 anos da Casa do Baile”, que curei com Marina Frúgoli na Casa do Baile da Pampulha (Centro de Referência de Arquitetura,
Urbanismo e Design). Exposição que celebra os 80 anos da casa e, ao mesmo tempo, demarca
um escopo de ação para o Centro de Referência. Nesse contexto, convidamos Louise Ganz, que
apresentou o grupo de Pintura ao ar livre, coordenado por ela, para então realizar o trabalho
“Vastas Planícies, outros Campos de Pedra”.
Trata-se de um grupo de investigação da cidade que realiza pinturas em suas caminhadas, tendo como objeto tanto a prática pictórica quanto o envolvimento com lugares e pessoas em situações de racismo ambiental, e suas diversas formas de resistência a isso. No caso da exposição que organizamos, nos parecia importante contar com trabalhos contemporâneos que pudessem trazer ao espaço expositivo elementos presentes no bairro da Pampulha e seu entorno, mas vistos desde ângulos não glamourizados pelo patrimônio arquitetônico moderno, e sim mais atentos e rentes à precariedade e à informalidade também presentes ali – e, ao mesmo tempo, às redes de apoio e coletividade que subjazem a esses lugares, aportando outras compreensões do que seja o espaço público.
Em suas caminhadas, o grupo encontra e retrata uma série de lugares em processo de
degradação, promovidos tanto pela ação de obras desastradas de infraestrutura quanto pela
prática predatória do mercado imobiliário. Com efeito, registra também o modo como a essa
prática de devastação se sobrepõem movimentos de resistência, onde pessoas se encontram com
a terra e as águas, para plantar, morar e lutar pelos espaços e pelo direito à vida, em projetos de agricultura urbana, em movimentos pela preservação de córregos a céu aberto, nascentes e matas urbanas, em movimentos de ocupação pela moradia, em quintais e terreiros, reinados e
quilombos. O que se pode ver claramente, no caso da Pampulha, no encontro do grupo com a
Ocupação Dandara – que, não por acaso, tem presença importante também no trabalho de Louise com Inês em 2013, nas “Bicicletas ambiente”.
Se a pintura permite uma aproximação lenta e dialogal com lugares e pessoas – muito
diferente da fotografia, por exemplo –, reforçando laços humanos, a abordagem conceitual, de
forma complementar, lança luz sobre as questões ambientais, desmontando uma leitura
tradicional e canônica – infelizmente ainda muito presente no caso do olhar sobre a Pampulha –
de separação entre o patrimônio edificado (cultura) e a natureza (lagoa). Crítico em relação a
essa perspectiva, o que o trabalho do grupo nos mostra é uma experiência do território no qual
construções, pessoas e paisagens estão imbricadas, e constituem, de forma indivisível, o próprio
cerne do problema a ser enfrentado. Na trajetória de Louise Ganz, a pintura não deixa de ser
também uma estratégia performativa de investigação da cidade em campo ampliado."
Trecho do texto "Investigação da cidade em campo ampliado: um percurso pelo trabalho de Louise Ganz", de Guilherme Wisnik.
Outubro de 2023